Falar de diversidade cultural exige ir além de planilhas e indicadores. Como nos lembra o sociólogo Renato Ortiz, esse conceito atravessa diferentes momentos históricos: primeiro foi entendido como pluralidade de civilizações; depois, passou a ser visto dentro das próprias nações, como resultado dos encontros, conflitos e trocas entre culturas nacionais; e, na globalização, ganhou um caráter desterritorializado, mundializado, simultaneamente uno e múltiplo. No Brasil, já faz algumas décadas que se busca mapear e diversidade e melhor instrumentalizar as políticas públicas;
Nesse cenário, o Mapas Culturais representa um avanço importante. Por ser uma plataforma em software livre, fortalece a cultura digital, apoia ao mesmo tempo agentes e gestão de editais; facilita processos de gestão cultural e acessos púbicos de perfis e iniciativas culturais. Ainda assim, tende a registrar apenas o que é visível – agentes, eventos, espaços – deixando em segundo plano dimensões imateriais, como saberes, cosmologias e modos de vida. Isso limita sua força enquanto verdadeira “cartografia da diversidade”.
Um dos grandes desafios das políticas culturais é justamente articular duas camadas complementares: a diversidade regional, construída coletivamente nos territórios, e a diversidade identitária, que garante visibilidade a grupos historicamente silenciados. Há também um problema técnico-organizativo que fragiliza o Mapas: sua não federalização. Isso provoca retrabalho, duplicação de perfis entre plataformas (municipais, estaduais, federais, Cultura Viva, IberCultura Viva) e dificulta a consolidação dos dados de forma eficiente.
A gestão de informações culturais é crucial para formular políticas públicas, mas é preciso reconhecer que diversidade não se resume a números. Ela envolve contextos históricos, sociais e simbólicos. A desigualdade no acesso à internet, à inclusão digital e ao uso de plataformas – especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – reforça ainda mais esse ponto. É justamente aí que o Mapas poderia ser um aliado, desde que aprimorado para apoiar estratégias diversas de registro e memória.
Como reforça Ortiz, discutir diversidade cultural é também discutir política. Não basta afirmar que as diferenças existem, nem oferecer apenas uma plataforma para cadastro. É necessário criar condições reais para que essas expressões sejam registradas e se realizem plenamente. Isso nos remete às próprias tensões do campo cultural brasileiro, cuja institucionalização e reconhecimento da diversidade ainda é recente e em construção.
A formulação de políticas públicas para a diversidade exige compreender que esse conceito não é um inventário de diferenças, mas um campo de disputa simbólica e política. A meta 3 do PNC (2010-2024) evidencia isso: traduzir a complexidade da “diversidade cultural”, tal como definida pela Unesco, em indicadores mensuráveis é um desafio enorme. O Mapas Culturais cumpre um papel relevante ao organizar agentes, espaços e eventos, mas ainda encontra limites ao captar valores, práticas simbólicas e modos de vida.
Para avançar, é preciso articular tanto a diversidade regional — enraizada nos territórios — quanto a diversidade identitária — que dá visibilidade a grupos marginalizados. Pensar políticas para a diversidade significa reconhecer sua dimensão interseccional e cosmopolita: enfrentar desigualdades estruturais, fortalecer pertencimentos locais e, ao mesmo tempo, criar condições para que culturas circulem e dialoguem globalmente.
Segundo Ortiz, a diversidade é um conceito dinâmico, que se transforma conforme mudam as sociedades. No passado, refletia a pluralidade de civilizações. Com a modernidade, passou a ser entendida dentro dos Estados nacionais. Na perspectiva antropológica, relaciona-se à multiplicidade de expressões culturais e às formas de reconhecimento político dessas diferenças.
A globalização intensifica esse cenário ao desterritorializar relações sociais e romper a ideia de culturas isoladas. As expressões culturais circulam em rede, se hibridizam, preservam singularidades e se transformam. A mundialização não elimina a diversidade; ela a reorganiza. Por isso, diversidade cultural não é apenas diferença: é algo produzido socialmente. O debate sobre diversidade tem impacto político. Se quisermos escapar de discursos ingênuos que apenas afirmam a existência das diferenças, precisamos garantir meios reais para que essas diferenças se expressem e se realizem plenamente.
Sayonara Bezerra Malta